Quem entra no Estádio Juvenal Melo, em Crateús, vê, logo de cara, uma espécie de hall da fama. São pés e mãos registrados na parede que dá acesso às arquibancadas do pequeno estádio. Lá estão as marcas de jogadores e comissão técnica que fizeram história na recente trajetória do time local. Eles colocaram o Crateús na Primeira Divisão do futebol cearense. Lá, podem não estar os nomes de Ronaldinho, Pelé ou Zico, como na calçada da fama do Maracanã, mas estão os de Potó, Bolinha, Paulinho, Diego, Marquinho Rato, Marquinhos Rojão e Argeu dos Santos, que elevaram a autoestima da cidade. Sobrou espaço até para Big Gyn, da comissão técnica, o presidente do clube, Franzé Martins, e o prefeito Carlos Felipe, que entraram na onda. E até para o médico, doutor Tarcísio...
E não é só na Primeirona Cearense que o Crateús é um debutante, mas também no próprio futebol. O time tem apenas 10 anos de existência. Bem vividos, por sinal. A equipe se orgulha das duas estrelas estampadas no escudo do clube, referentes aos dois títulos na Terceirona - conquistados em 2004 e 2010. Escudo esse que guarda fortes semelhanças com certo clube tradicional do futebol sul-americano: o Colo-Colo, do Chile. A diferença é só que o passado glorioso do time chileno é bem mais vasto e maior.
Em 2011, o time disputou a Segundona Cearense e conquistou o vice-campeonato na última rodada, vencendo o Juazeiro, por 2 a 1, e contando ainda com o tropeço do Maracanã, equipe de Maracanaú, cidade da Região Metropolitana de Fortaleza.
- Nós conseguimos um apoio muito forte, unir torcedores e jogadores em torno desse time. Nós invertemos a situação na última rodada e subimos - disse o prefeito de Crateús, Carlos Felipe.
Um time, uma região
Crateús fica a 354 quilômetros de Fortaleza. O time chegou à Primeirona formado, basicamente, por jogadores da região conhecida como Sertão de Crateús, a Oeste do estado do Ceará, na divisa com o Piauí.
A região é formada por 11 municípios e tem uma população de cerca de 300 mil habitantes. É justamente essa região que o Crateús quer representar na Primeira Divisão do futebol cearense. O discurso de atletas, comissão técnica, prefeitura e até torcedores é o mesmo: o time do Crateús representa todo o povo desta área.
- Nós estamos fazendo uma integração com toda a região. Porque a gente fica muito longe de Fortaleza. É muito difícil o futebol chegar até aqui. Essa é uma oportunidade única de ver as grandes equipes jogando aqui. É por isso que há esse apoio tão grande - declarou o prefeito da cidade.
Representar toda uma região não fica apenas no discurso. O time do Crateús subiu para a Primeirona com uma equipe formada 70% por atletas locais. Para 2012, o time teve que contratar alguns jogadores mais rodados. Ainda assim, a equipe, em 60%, é representada por atletas de um dos 11 municípios da região. E isso é levado tão a sério que quase virou lei municipal.
- A gente pensou em transformar isso em lei. De todo ano o time ser formado por 60% de atletas daqui. Levamos pra discutir com alguns vereadores, mas acabou não acontecendo - revelou Carlos Felipe.
Guerreiros são guerreiros
Conhecido como Guerreiro do Poty - em referência ao lendário indígena que representou por muito tempo a liderança e a bravura dos índios karatis que habitaram aquela região antes da chegada de portugueses e bandeirantes no século XVII -, o Crateús pretende mostrar um time de guerreiros para este Campeonato Cearense. Não à toa, o índio está representado, em grande destaque, no escudo da equipe.
E para manter a força e a bravura dos indígenas locais, a diretoria tratou de contratar o técnico Maurílio, ex-jogador de Ceará, Fortaleza e de grandes clubes brasileiros como o Palmeiras e o Grêmio. Ao treinador, foi dada a incumbência de montar um time competitivo e com condições de fazer frente aos clubes cearenses com maior tradição.
- O Crateús é diferente. O investimento feito aqui é bem diferente de outros locais por onde já passei. Tenho certeza de que o time está nascendo diferente, com outra mentalidade, e que vai fazer uma grande competição - ressaltou o técnico.
Dentre as principais contratações feitas na pré-temporada, vieram os experientes Gildásio (meia), Bruno Recife (zagueiro), Gil Pernambucano (volante) e Jadílson (atacante).
- O time é caçula na Primeira Divisão, mas nós contamos com um elenco muito bom. Estamos concentrados e esperando para fazer um bom campeonato - disse Gildásio.
Para fazer frente a esses jogadores mais experientes, o Crateús tem duas jovens apostas para despontar em 2012: o meia Marquinhos Rojão e o atacante Diego. Ambos têm apenas 17 anos de idade e estiveram presentes no acesso do time à Primeirona. Diego, por sinal, foi o vice-artilheiro da Segundona Cearense, com nove gols. Jovem e eficaz, ele espera um Estadual ainda mais promissor nesta temporada.
- Trabalhei bastante na Segunda (divisão), e agora quero ajudar o time a fazer história na Primeira. Nossa expectativa é chegar o mais longe possível e, quem sabe, alcançar aí um clube maior - afirmou Diego.
Pequeno, mas com pensamento grande
Para se dar bem na Primeirona, porém, o Crateús precisa de mais. Não basta confiar na base do time que conquistou o acesso ou em se contentar em ser um representante da região e acabar afundando. O time sabe disso e vem se organizando. O presidente Franzé Martins tem ambições maiores. Mesmo sem experiência no futebol - ele tem graduação em Informática e Especialização em Controladoria -, o dirigente decidiu utilizar outra expertise para gerir o clube de forma correta: a experiência empresarial.
Franzé Martins tratou de contratar uma empresa de marketing esportivo para gerenciar marca, buscar patrocínios e trabalhar a comunicação do clube de forma integrada. O time do Crateús ganhou site, identidade visual e começou a gerar conteúdo para as redações da capital cearense.
- Como eu não tinha experiência suficiente com o futebol, resolvi contratar uma empresa especializada e que pudesse nos ajudar a transformar o Crateús. É a nossa chance de mostrar inovação no interior do estado - afirmou Franzé.
O investimento na área administrativa do clube é para gerar reflexos positivos dentro de campo. A diretoria pretende não apenas conseguir permanecer na Primeira Divisão, mas conseguir um lugar entre os grandes, quem sabe até uma vaga na Copa do Brasil.
No elenco, a folha mensal é de, aproximadamente, R$ 75 mil para atletas e comissão técnica. Um investimento modesto, porém, digno para o primeiro ano na elite do futebol cearense.
O desejo da diretoria, no entanto, vai além das quatro linhas. O planejamento inclui a construção de um centro de treinamento, o investimento em categorias de base - que hoje, o Crateús não possui -, as melhorias no Estádio Juvenal Melo e a integração do futebol com o futsal e o futebol feminino, tornando o time um verdadeiro clube esportivo.
Segundo a Prefeitura de Crateús, uma verba de R$ 3,3 mi já estaria previamente liberada para investir no esporte na cidade. Os primeiros R$ 300 mil seriam para a construção de um centro de treinamento ao lado do Juvenal Melo. Os outros R$ 3 mi seriam para reformar e modernizar completamente o estádio - que hoje tem capacidade para apenas 3 mil e 300 espectadores. A promessa da Prefeitura é de que as licitações para essas obras sejam lançadas ainda em 2012.
A torcida agradece e confia
Com todos esses investimentos já feitos, previstos ou anunciados, a confiança dos torcedores locais é enorme. Por onde se passa em Crateús, a população conversa sobre o time e tudo o que esperam acontecer em 2012.
No centro da cidade, por exemplo, os donos de bares, restaurantes e lanchonetes se estruturam para montar telões, onde pretendem exibir as partidas do Crateús na Primeira Divisão.
- Como no estádio não cabe toda a população, a gente tem que se preparar. Vamos colocar aqui vários telões, que é pra todo mundo que vier possa acompanhar os jogos do Crateús aqui mesmo na praça - revelou o comerciante Edvan Vieira.
O torcedor-símbolo da equipe é Chiquinho do Peixe. Dono de um restaurante com o mesmo nome, Chiquinho é famoso não só pelo peixe, mas pelo amor ao time do qual ele é torcedor e dirigente.
No seu restaurante, Chiquinho recebe cerca de 35 atletas do Crateús para almoçar todos os dias. A refeição é por conta dele. É a forma que ele achou para ajudar o time a se tornar tão grande quanto os seus sonhos.
- Tudo que eu começo, eu gosto de terminar. Às vezes, minha família pede para eu parar, desistir, para largar esse negócio de uma vez. Mas não tem jeito, não adianta, eu amo o Crateús - contou Chiquinho.
Fonte: Globoesporte.com
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